
A tradição junina floresceu em terras brasileiras ganhando cores e sabores únicos. Crédito: Shutterstock
Junho chega e o Brasil se transforma. Bandeirinhas coloridas enfeitam escolas e espaços culturais, e o ar se enche de cheiros que abraçam a alma: canjica, papa, bolo de milho, pé de moleque, quentão. As festas juninas são muito mais que celebrações religiosas ou folclóricas; elas são um verdadeiro banquete cultural, um portal para a complexidade da identidade brasileira, onde a comida, talvez mais que tudo, revela sua essência.
Luís da Câmara Cascudo, um dos maiores mestres da cultura popular no Brasil, nos ensinou que "a cozinha é um documento histórico." E qual palco é melhor para essa verdade do que a mesa junina? Nela, cada ingrediente sussurra histórias da terra, da fé, da lida no campo, das misturas que nos forjaram e até das resistências silenciosas.
Junho é o tempo da colheita abundante de milho, amendoim, feijão e batata doce, e é também o momento de reunir saberes ancestrais – da roça à cidade – em receitas que, ao atravessar gerações, mantêm suas raízes profundamente fincadas em nossa memória.
A tradição junina, com suas sementes europeias ligadas ao solstício e ao ciclo agrícola, floresceu em terras brasileiras ganhando cores e sabores únicos. Como Néstor García Canclini tão bem analisa, a cultura latino-americana é um emaranhado de “hibridismo cultural” – fusões e reinvenções que dançam entre o tradicional e o moderno, o erudito e o popular, o global e o local.
A pamonha que hoje nos deleita, por exemplo, é o resultado vibrante desse hibridismo: um alimento ancestral do milho, reinventado pela luz das práticas católicas, indígenas e afro-brasileiras.
É através da comida que o arraial ganha sua alma. Nas festas juninas, o campo gentilmente invade a cidade, trazendo consigo os sabores autênticos da roça, os modos de preparo que celebram a comunidade, os cheiros que nos transportam para a infância.
O arraial junino é uma aldeia simbólica e temporária, onde a culinária de raiz se apresenta com orgulho e alegria genuínos. Comer uma canjica, feita no tacho e servida no copo fumegante, é um gesto que resgata o ado e, ao mesmo tempo, o reinterpreta com uma nova melodia cultural.
Mas nosso olhar precisa ir além da nostalgia. Em um país de tantas desigualdades, as festas juninas também são uma oportunidade preciosa para valorizar a agricultura familiar, a comida de verdade e a sustentabilidade.
Ao abraçar as festas de bairro, as barracas escolares e os quitutes feitos com carinho em casa, estamos incentivando circuitos econômicos mais justos e afetivos, onde o saber culinário é reconhecido como uma forma legítima e valiosa de conhecimento.
No fundo, a festa junina é um grande ato de comunhão: com o sagrado, com a generosidade da natureza, com a nossa história e com o próximo. E é à mesa – com uma colherada de caldo que aquece o peito ou um gole de quentão que perfuma a alma – que essa comunhão se realiza com a mais profunda intensidade.
Por isso, celebrar junho é muito mais do que dançar quadrilha: é degustar o Brasil profundo. É reafirmar nossa cultura de raiz, servida com carinho no prato de cada arraial.
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