É jornalista e escritora, escreve quinzenalmente a coluna Sextas Crônicas

Estão falando bem de você pelas costas

Como diria Belchior “amar e mudar as coisas me interessa mais.” Mudemos, pois. Comecemos por não nos assustar com os elogios sinceros

Vitória
Publicado em 13/06/2025 às 04h30

Eu não existo sem nós. Essa frase poderia ser uma declaração de amor romântico. Na verdade, é uma declaração de amor. Amor à condição humana de ampliar a consciência de si através da interação com o outro, céu e inferno da nossa existência.

Uma rinite alérgica não me abateu o suficiente para impedir que eu fosse ao lançamento do livro de uma amiga. Reforcei minha cota de lencinhos e parti para o evento. Que sábia decisão. A palavra memorável é tímida para descrever o que vivi naquela noite.

Já na saída de casa, houve sinais. Vitor chegou em um carro elétrico silencioso, limpíssimo, cheirosíssimo e, totalmente fora do padrão, desceu e abriu a porta para mim. Eu não sei quanto a você, que me lê e usa salto alto, mas eu amo essa singela gentileza.

No evento, ouvi histórias sobre trajetórias emocionantes. De repente, lá estava eu, no meio dessas histórias. Emocionada. Tudo assim, de chofre. Em um minuto lia a dedicatória carinhosa da autora e no outro estava enxugando as lágrimas de duas jornalistas incríveis que trabalharam comigo.

Oi, como assim? Que memória afetiva é essa? Eu-chefe, eu-brava, eu-exigente, sempre achei que isso que eu chamava de rigor fosse excesso. Não me ocorreu que muitos interpretavam como entrega. E entrega, essa palavra redonda, inspira. A noite estava só começando e, para não ficar aqui lambendo demais meu próprio pelo, o que posso dizer é que bons momentos me aguardavam.

Eu sabia que seria difícil escrever esta crônica, mas confesso que não imaginei que me veria escrevendo e deletando parágrafos por horas. Até pensei em mudar o tema, mas a trend da semana é chata. Declinei da pauta. Declinar é o verbo do momento.

Como diria Belchior “amar e mudar as coisas me interessa mais.” Mudemos, pois. Comecemos por não nos assustar com os elogios sinceros. Talvez ninguém nos tenha ensinado a recebê-los sem o filtro da vergonha, essa vibração que embota a vida. Aprendemos a sorrir amarelo, com a cara vermelha, quando um elogio cai, sem aviso, no meio da sala.

O cantor Belchior
O cantor Belchior. Crédito: Divulgação

Como se o amor dos outros fosse um casaco que não nos cabe, não sabemos onde colocar as mãos quando alguém, generosamente, nos conta da relevância que temos na história da sua vida. O corpo endurece, a voz trava. O elogio toca partes nossas que ainda não integramos à consciência. Acolher o amor do outro nos desarma. Deixar-se ser amado é andar por aí, entre perigos, desarmado.

Ser humano é ser complexo. Sentir é falar todas as línguas ao mesmo tempo. Ouvir boas histórias sobre nós nos responsabiliza com a nossa luz. Não é à toa que muita gente teme mais o brilho do que a sombra. Nenhuma novidade aqui. Tudo dito pelos poetas, como Milton: brilhar, acontecer, brilhar, faca amolada.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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